domingo, 3 de julho de 2011

Lições de uma viagem à Atenas...


Às vezes parece que nossa linha editorial é muito à esquerda. Após este post, acredito que a percepção geral vai mudar...

Um grande amigo fez uma observação útil depois do último post. Meus textos poderiam adotar uma abordagem mais prática, indicando procedimentos para "viajar mais com menos". Ou seja, gastar menos e viajar mais... Ele até sugeriu a criação de um blog paralelo, do tipo: www.maodevaca.com.br. É óbvio que ele já não figura mais na lista dos amigos...

Essa semana tive a oportunidade de conciliar. E cá pra nós: eu adoro conciliar!

Em 2008, eu e minha (na época) namorada estávamos na França e teríamos uma semana livre. 

Acredito que as boas oportunidades se viabilizam com a observação de detalhes: entrei no site da EasyJet (www.easyjet.com) e consegui reservar passagens entre Paris (Orly) e Atenas, por menos de 100 euros por pessoa. No site da Booking (www.booking.com) conseguimos uma reserva num hotel razoável, no centro de Atenas, por 36 euros a diária. Assim, a viagem estava estruturada: quando se deseja conhecer um lugar, o principal é ter na mão uma passagem para aquele destino e a reserva de hotel para dormir nele. O resto é acessório e pode-se fazer na hora.

Em relação ao aéreo (é bom que se diga, com esse preço), não deveríamos

- Despachar bagagens (que tem custo de despacho cobrado por mala e peso, na EasyJet só tá incluída na tarifa a bagagem de mão). Qualquer "malinha" torna o bilhete barato, um bilhete normal;

- Esperar horários confortáveis (teríamos de chegar ao aeroporto de Orly às 3h da matina), o que trouxe uma decisão à mesa: se decidíssemos dormir num hotel, a "vantagem" do preço promocional escoaria pelo ralo: como Orly fica no subúrbio de Paris, qualquer taxi tomado "de madrugada" do hotel em que estávamos em Bagnolet custaria quase uns 80 euros, e em adição, não seria a melhor noite de sono de nossas vidas, já que acordar às 1h da madrugada não é o que convenciona chamar de conforto e ainda pagar por mais uma diária de hotel, que até nos arredores de Paris, sai por uns 70 euros, no mínimo. Em resumo: nossa decisão foi a de que dormiríamos em Orly. Para quem tiver interesse, vale a pena o site: http://www.sleepinginairports.com/

(Posso adiantar uma coisa pra vocês: Orly é um dos aeroportos mais confortáveis em que eu até agora dormi. Contrariamente ao que o site especializado acima indica, ele tem algumas poltronas estendidas, sem apoios de braço, que permitem que você durma sem ter de se contorcer como uma ginasta russa ou ficar com os joelhos flexionados por horas a fio...);

-  Por último, não ansiávamos por um serviço de bordo com cristais e porcelana (Só pra avisar: na EasyJet até o copo d'água é cobrado e isso pra uma viagem de aproximadamente quatro horas, é um pouco difícil de aguentar...). Lá, de "gratis" só o oxigênio da cabine pressurizada; 

Superando estes detalhes chatos, dá uma olhada na foto abaixo: é da janela do avião, chegando à Atenas. O mar é de um azul nítido como o da bandeira nacional grega. 

Foto tirada durante os procedimentos de pouso na chegada  à Atenas (maio/2008)

Contemplando a foto acima, pode-se lembrar facilmente a razão pela qual o mar faz parte da constituição cultural da Grécia. São muitas ilhas, e na chegada já dá para ter uma idéia bem clara disso. Para alguns, a Grécia é considerada um "país arquipélago".

Praça Syntagma, sede do Parlamento  da Grécia (Maio/2008)

Na foto acima, um de nossos correspondentes na praça Syntagma. Observem que eles estão "bem calminhos"... Você deve estar se perguntando: eles quem? Fácil: nosso correspondente e a Praça Syntagma. Só pra lembrar: na semana passada, os ânimos estavam "ligeiramente alterados" por manifestações populares contra a aprovação do "pacote fiscal" sugerido pelo governo ao Parlamento. Parafraseando Heráclito, essa foto provavelmente não poderia ter sido tirada na última semana... Ambos tinham mudado...

Na praça, duas coisas chamavam à atenção: primeiro, ali é a sede do Parlamento da Grécia (palco do que nas últimas semanas tem se tornado o centro das discussões do mercado financeiro global: a aprovação do pacote fiscal que foi condicionado à concessão de empréstimos à Grécia, pelo FMI e pela União Européia, para que sejam honrados seus títulos da dívida pública). 

A segunda coisa é que no subsolo da praça fica a estação de metrô central de Atenas, que leva o mesmo nome: Syntagma.  O que se destacou para mim é que o metrô era uma obra nova. Muito dinheiro havia sido investido ali. Padrão de qualidade internacional, "novinho em folha":
Interior de uma das estações do metrô de Atenas

Todo economista gosta de saber de onde vem o "dinheiro"... Para estes curiosos, o metrô de Atenas não faz mistério: em todas estações, há placas indicando que a obra foi financiada por fundos comunitários da União Européia. Como diria Milton Friedman, o grande ícone da Escola de Chicago: não existe almoço grátis... Enfim, aquele almoço estava pago, e quem o tinha pago já era bem conhecido...
Entrada de uma das estações de metrô em Atenas

Aliás, toda Atenas passava (em 2008) por reformas, em monumentos e serviços públicos, financiadas pela União Européia. Placas, como a visualizada na estação Syntagma, poderiam ser vistas também pelos que visitavam a Acrópole (fotos abaixo).

Conservação da Acrópole financiada por fundos comunitários da UE

Vista da chegada à base da antiga cidade de Atenas

O Parthenon e a decepção de quem queria tirar uma foto ideal (sem andaimes)

O monumento das Cariátides, Erecteion/Acrópole (Atenas/2008)

A conclusão de nosso texto, curiosamente, nasce durante uma caminhada despretensiosa pelas ruas  do centro histórico de Atenas, à caminho de seu mercado público mais famoso: Monastiraki. Nessas andanças pelo mundo, às vezes os insights mais originais surgem diante de cenas prosaicas. 

No nosso caso, veio diante de uma banca de revistas (foto abaixo): quem estuda economia, nos primeiros contatos com a matéria, toma conhecimento de que a primeira referência ao seu "estudo sistemático" nasceu na Antiga Grécia, pelas considerações de Aristóteles que a apresentou (há milênios) como o ramo de estudos da gestão (nomos) da casa (oikia), daí: oikianomos  (economia ou "governo da casa"). 

Aristóteles veio à minha mente quando passei pela já citada banca de revistas e vi o título (oikia) que no Brasil, seria "Casa". Fiquei - sinceramente - impressionado com  a importância da Grécia na matriz cultural do Ocidente. Uma revista de decoração que, no Brasil, não tem "glamour" acadêmico nenhum, em Atenas, dá pra citar como referência etimológica fundamental de um campo de estudos tão "querido" por nossa cultura: a economia.

Revistas expostas numa banca, em Atenas (2008)
As lições da Grécia não são poucas: pessoas, assim como países tem de definir bem as suas escolhas. Quando não se é rico, quando é necessário trabalhar para "financiar" os sonhos, "trocar bem" é fundamental e é disso que a economia trata: trocas conflituosas de recursos escassos entre necessidades ilimitadas (e aqui é fácil explicar: quantas pessoas você conhece que independentemente do que possuam sempre querem mais?) Isso é natural do ser humano. Querer sempre mais. O problema é que dinheiro não nasce em árvores....

Para muitos leitores (entre uns 8 e 9 assíduos - nossas estatísticas tem mostrado que o número de leitores do Viagens & Reflexões tem aumentado), aquele citado esforço de economizar na diária do hotel (dormindo em Orly), no vôo barato (EasyJet com direito à oxigênio) e no taxi que foi trocado pelo RER (sistema de transportes ferroviários interurbanos de Paris),  pode ter parecido exagerado. Mas quando se dispõe de poucos recursos para financiar sonhos, é fundamental que se faça uma boa "gestão da casa", ou de forma mais direta: que se economize. 


Para muitos, uma alternativa viável ao casal viajante (nós dois) poderia ser a seguinte: tomar um empréstimo bancário, viajar "em grande estilo" (sem essas economias e esforços miseráveis) e quando voltar pagar a dívida em inúmeras parcelas, cada uma com sua correspondente parcela de juros... (No Brasil, a taxa para crédito ao consumidor pode chegar a fáceis 250% ao ano, isso só de juros. É isso mesmo: experimenta tomar dinheiro emprestado numa financeira...);


Isso - na prática - poderia significar ter de vender "a alma" para pagar as dívidas acumuladas. É óbvio que tal pagamento implicaria viajar menos, pois não há milagre: quando se toma dinheiro emprestado, os juros "consomem" os esforços de trabalho que poderiam ser direcionados a novas viagens. Uma coisa dá pra afirmar: provavelmente é mais satisfatório gastar com viagens a pagar juros. Gastar o dinheiro que se toma emprestado é bom, a amortização e o pagamento dos juros é que são "elas"...

Os gregos, agora, têm faceado a parte ruim da "farra global do crédito" (para os que tiverem interesse vale muito a pena conferir o artigo de Norman Gall publicado pelo Instituto Fernand Braudel (Dinheiro, ganância, tecnologia - A festa do crédito e a economia mundial). Construir metrôs novos, conservar monumentos públicos universais e gastar noutros destinos (aplicações orçamentárias) menos nobres com dinheiro emprestado é fácil. Sempre cabe à sociedade fiscalizar o destino escolhido dos recursos públicos (pelos seus representantes). O difícil é pagar a conta...

O ponto conclusivo e fundamental é que da mesma forma que uma pessoa muito rica não precisaria se "apertar" para conhecer Atenas (assim como nós  fizemos), os suíços não precisariam de um pacote tão "duro" para viabilizar seu equilíbrio fiscal. A Grécia não é tão rica como a Alemanha ou Suíça, não é portanto adequado querer manter padrão de gastos públicos incompatíveis com sua realidade. 

Existe uma máxima dos consultores e planejadores financeiros: Não se pode querer "levar a vida" dos outros. É fundamental que cada um pague seu próprio almoço, alerta Friedman. Isso é a essência do que se pode considerar a boa "gestão da casa" aristotélica...



5 comentários:

  1. Governo alemão compra títulos da dívida grega pra salvar a UE... Alemães reclamam que sustentam os gregos que se aposentam precocemente, inchando o sistema previdenciário e por isso exigem contrapartidas fiscais. Gregos reclamam que Alemanha intervém em questões de soberania.

    É, realmente, melhor seria que cada um pagasse seu almoço!

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  2. Gostei muito dessa postagem! Doses de humor, dicas do bem viver, filosofia. Uma mistura que reflete uma rica gestão econômica do texto. Pois, como lembra Foucault em Arqueologia do Saber, também há uma economia discursiva.

    Ri muito com a sacada do "bônus do ar pressurizado"!

    E a cinegrafista que acompanhava o correspondente naquela foto era Nádia? Esta dupla de repórteres vai render muito.

    Se me permitires, faço só uma sugestão. Não fica falando em toda postagem que o blog só tem oito seguidores. Sei que o realismo é importante para dar credibilidade ao texto, mas esse tipo de informação trabalha contra a manutenção do elo entre quem escreve e quem lê. Além disso, tenho certeza que existem muitos leitores virtuais do blog que entram na contabilidade formal.

    Abraço!

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  3. Grande Cláudio!
    Fico sempre muito feliz com sua sinalização. Para mim, você é referencial! Gostei muito do post em seu blog Acedia, que você disse ter sido inspirado pela publicação anterior. Fico feliz, especialmente, pela percepção diferenciada que tens. Parece que você identifica exatamente meus objetivos editoriais. Isso é fantástico!
    Quanto à cinegrafista, infelizmente, nessa foto - se me lembro bem - não foi ela não.
    Quanto à sugestão já está acolhida. Aproveito para sinalizar que você pode ficar tranquilo. Pode até parecer que eu estou num estado semi-depressivo com os indicadores de acessos e de seguidores, mas felizmente estou bastante satisfeito com os números. O blog já está beirando os mil acessos ("mensalizando dados"). Para mim, a experiência tem sido muito gratificante. Muito obrigado pelo seu constante entusiasmo.
    Repito: para mim, você é referência!

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  4. Brigado, Mauro! Ah, os próximos elogios quero em forma de milhas para viagens internacionais: não vale território de guerra!!! heheh (:

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  5. Grande Maureco, agora você tem 10 leitores assíduos! Muito bom o paralelo entre finanças pessoais e finanças públicas.grande abraço!

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