sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Visões sobre a educação e a lição canadense...

Neste fim de ano, ponderamos muito sobre o post de encerramento. 

Descobri o tema, durante um vôo entre Recife e Rio. No bolsão em frente à poltrona do avião havia uma edição de revista semanal em que um pretenso "especialista" em educação enaltecia o modelo de educação chinês, como sendo adequado à realidade do Brasil. Ia além: lamentava que o fracasso do Brasil era (exatamente) por não incorporar um modelo educacional nos moldes chineses. 

Dou a dica pra quem não quiser ler a revista: esse modelo prevê um aluno máquina, sem tempo de entender e aplicar (em sua vida) aquilo que "pretensamente" está aprendendo. No caso citado, o "especialista" comemorava o fato do estudante chinês (que ele acompanhara) não ter tido nenhuma namorada durante toda sua vida (ele tinha quase 20 anos e assegurava que não teria nenhuma até os 25, quando completaria a faculdade). 

Fiquei - ligeiramente - preocupado... Primeiro pelo rapaz chinês, que ainda não experimentou algumas sensações agradáveis, nem entendeu pra que serve a vida, em última instância... Depois por mim, por amar a educação. É que em geral fico ressabiado quando vejo economistas falando sobre educação. 

Sou economista. Admiro muito a abordagem econômica, mas cá pra nós: tem um "probleminha" quando economistas falam sobre educação: é que eles tendem a crer que a economia deve "pautar" a educação. E isso, na prática, significa tratá-la (a educação)  como uma simples ferramenta de incremento de produtividade econômica. Ou seja, para economistas, a educação é uma simples ferramenta para tornar o ser humano mais produtivo. Isso é um equívoco... 

Em 2006, morei e estudei no Canadá por alguns meses... Nesse período visitei tudo que estava ao alcance. Entre os destinos, todos os museus de Toronto, as bibliotecas públicas, a UofT (Universidade de Toronto) e seus departamentos, as atrações turísticas, culturais e naturais, como os grandes lagos e as cataratas do Niágara, cidades próximas ou nem tanto como  Kingston (primeira capital), Ottawa, Montreal e a "européia" cidade de Quebéc. Além disso, tentei me integrar (caminhando muito) aos diferentes bairros multiculturais de Toronto.

Das atrações visitadas, uma das que despertou mais interesse foi uma discussão presenciada no Parlamento da Província de Ontário, cuja capital é Toronto. É isso aí: eu aproveitava algumas tardes livres para assistir às discussões parlamentares.  

Recomendo fortemente, inclusive, aos que tem a oportunidade de visitar casas parlamentares, seja no Brasil ou fora dele que o façam. É uma das experiências mais decisivas na formação política de um ser humano. Em Brasília, por exemplo, é absolutamente produtivo (eu estou falando sério) visitar sessões das Comissões do Senado Federal ou da Câmara, como a de Relações Exteriores e Segurança Nacional, a de Assuntos Econômicos entre outras. É lá que se percebe como é (de fato) desempenhado o mandato dos parlamentares. Não recomendaria prioritariamente as visitas ao Plenário, em que o espaço do genuíno debate cede lugar ao pragmatismo político na aprovação das leis...

Voltando à Toronto, em 2006, a discussão a que assisti versava sobre um projeto de lei provincial que conferia critérios diferenciados para estruturação dos planos didáticos que seriam observados nas escolas públicas de Ontário, já que nela se observa uma elevada proporção de crianças oriundas das mais diversas culturas: árabe, asiática (majoritariamente chinesa), hispânica e até brasileira. O Canadá é (e continua sendo) pólo de atração migratória. É país de imigrantes, conheci vários.

Em Spadina, a principal avenida da Chinatown de Toronto, há vários centros comerciais que exalam os aromas da culinária chinesa. Impressiona. Impressiona o abismo cultural que nos separa dos chineses, por exemplo.  De cultura pragmática, para os chineses, a energia do indivíduo deve ser canalizada para execução de suas tarefas ou deveres. Aos chineses, do ponto de vista cultural dominante, não é "aceitável" a "perda" de tempo com "conversas à toa". Dos próprios canadenses, a "Small Talk", a conversa que descontrai não é bem vista pela cultura chinesa. A comunicação e o processo negocial dos chineses é de uma objetividade cartesiana. Não há espaços para brincadeiras... E - sabemos bem - brincar é fundamental à construção de uma personalidade saudável.

Voltando ao aeroporto do Galeão, já no final do ano de 2011, eu estava desconcertado. O modelo de educação chinesa, ou melhor, a "arma de educação em massa chinesa" me trouxera preocupações significativas... Para o "especialista" em educação, nosso problema era não termos sido "brindados" com uma "Little Boy" destas em nossas cabeças (esse é o "apelido carinhoso" da bomba atômica lançada sobre Hiroshima). 

Felizmente, não sou único a perceber a inadequação de modelos culturais exógenos à realidade de países como o Brasil. Em visita ao Café Filosófico, Mario Sérgio Cortella esclarece de maneira decisiva (clique no vídeo abaixo, que também está disponível no youtube, no seguinte endereço: http://www.youtube.com/watch?v=EnUtJgr-J4Y):



Enfim, parece que aquela tarde no Parlamento de Ontário serviria como espécie de "luz no fim do túnel" na tentativa de refletir sobre o respeito às diferentes realidades culturais. Respeitar diferenças é princípio básico de qualquer sistema educacional razoável. Educação não é ferramenta (por mais que isso pareça inaceitável para economistas) e só ela (a educação) pode promover uma revisão dos padrões de comportamento (inclusive econômicos) que ora põem nosso modelo de civilização em xeque.

A educação é coisa séria demais... É triste que no Brasil, ela fique relegada e "capturada" num sistema de seleção adversa em que os mais vocacionados para educação sejam atraídos por remunerações mais altas, praticadas em outras áreas de atuação. 

É lamentável que em cada sala de aula do país, os melhores alunos, os mais brilhantes sinalizem  (quase sempre) a intenção de ter profissões que remunerem acima da média dos rendimentos pagos na área de educação. A área de educação é fundamental demais para prescindir destes talentos...

É esta nossa contribuição mais decisiva para o futuro: compromisso com a educação de verdade. Não aquela instrumental, que promete ensinar a resolver problemas complexos de cálculo e incapacita o ser humano a sentir emoções...