domingo, 29 de maio de 2011

Notícias de São Paulo: uma revisita à Praga...



Visitei Praga já faz certo tempo. Hoje, volto a senti-la...

A mídia nacional tratou exaustivamente, na última semana, do caso Pimenta das Neves, pra quem não estava no país, lá vai a dica: é aquele processo penal em que figura com réu o ex-editor do jornal O Estado de São Paulo, pelo assassinato da ex-namorada, num haras em São Paulo. O que mais impressionava - no teor das matérias veiculadas - é que ele, mesmo sendo réu confesso, conseguiu evitar a prisão por mais de uma década (mediante estratégia de defesa competente e muito bem pagos advogados, é claro).

Para os juristas mais ortodoxos, são as regras do jogo. Como o código de processo penal e a jurisprudência entendem que esse é o caminho adequado, nada há de ilegal. Está tudo de acordo com a norma. Nada extraordinário...

Quando fui à Praga, a coisa que mais me chamava à atenção e que - inclusive - me fizera incluí-la no roteiro era o fato de que Franz Kafka morara lá... Isso tornava aquele destino especial: entender a atmosfera que propiciou (entre outros fatores) a construção de verdadeiras obras de arte sobre a condição humana diante das rotinas, burocracias, processos, obrigações e outras "camisas de força" do cotidiano. Quando em Praga, cheguei a visitar a casa em que Kafka morou, numa ruela, no alto da colina, atrás do Castelo.

Há mais de dez anos, quando iniciava o primeiro ano de faculdade, li sua obra-prima: A metamorfose... É um retrato singular sobre os riscos associados às "relações burocráticas" que tendem à substituir as "relações afetivas" entre seres humanos. Gregor Samsa (principal personagem da obra) sofre por não conseguir se comunicar com seus pais e família, que dele esperam apenas cumprimento de deveres e assunção de obrigações. Kafka é mestre no trato das "aberrações burocráticas" e seus impactos sobre a natureza humana. Há outros livros que ilustram bem o ambiente kafkiano: Na colônia penal, que dá pra ler em pouco mais de uma hora, ou O processo. 

Depois de Kafka, tive contato com Hans Kelsen, o "cientista do Direito". Os conceitos propostos por Kelsen dão sustentação teórica à boa parte das decisões processuais dos magistrados que exercem suas funções, principalmente daqueles que estão nos níveis mais altos do Poder Judiciário. Nas cortes superiores, a abordagem kelseniana não é minoritária. No Supremo, Kelsen é citado com "pompa". Corte Suprema, aliás, em que se decidiu que o réu (inclusive o confesso) poderá responder ao processo penal em liberdade, até o julgamento de todos os recursos processuais disponíveis no curso da ação penal. Só explicando: é por isso que Pimenta das Neves só foi preso agora...

Visitava Praga e percebia que a melancolia da cidade não era estranha a quem já tivera contato com as palavras escritas por Franz Kafka. A cidade é verdadeiramente linda, mas melancólica. Cidade das cem pontas. Referência inequívoca à quantidade de igrejas e edifícios que a tornam singular, do ponto de vista arquitetônico e urbanístico. Minha surpresa tal foi quando descobri que ali também havia sido terra natal de Hans Kelsen. 

Hoje, quando ouço notícias de São Paulo, lembro-me de Praga e de seus ilustres e explicativos "filhos". É graças ao que já li em Kelsen, acerca das razões doutrinárias pelas quais certas aberrações processuais do direito são toleradas, que entendo o abismo que separa o judiciário e a sensação social de injustiça que permeia o caso Pimenta das Neves. Infelizmente, a ciência não é para todos...


Mas, sobretudo, é graças a Kafka que compreendo os riscos de entender a burocracia processual como algo natural ou positivo. Não o é. Quem houver lido Kafka, também compreenderá isto através de suas lições... 


É inevitável sentir - novamente - a melancolia de Praga...


quinta-feira, 26 de maio de 2011

Entre o Peru e o Brasil, entre Stigler e o Congresso Nacional...









Em fevereiro viajei ao Peru.


Experiência marcante. País fantástico. Um dos aspectos mais realçados é a culinária do país. Nela, a profusão de espécies vegetais não é trivial.


O milho é diferente, a batata também. Frutas nunca vistas por mim em quaisquer dos vinte poucos países por onde já andei... Se quisermos pensar um pouco mais sobre a diversidade culinária do país, seria um exercício interessante pensar no Ceviche. Uma refeição que leva quase dez ingredientes e é absolutamente trivial no dia-a-dia do peruano. Para quem não conhece, vale a pena conhecer!


Infelizmente, ontem, tive acesso a pesquisas que apontam a diminuição absurda de variedades vegetais que são comercializadas no planeta. O Perú é especial também nisso: preserva uma diversidade que tem se tornado a exceção, não mais a regra...


A monocultura de espécies vegetais, nos Estados Unidos e em boa parte dos países desenvolvidos, tem sido fortemente promovida pelo sistema patentário, que vem permitindo a produção de sementes padronizadas, com baixíssima variabilidade genética. Para quem tiver interesse sobre o tema, favor conferir o filme: The future of Food.


A reflexão que fez voltar ao Peru, hoje, tem por base algumas idéias (conceitos) de um economista da Escola de Chicago. Stigler aponta que as questões mais básicas da regulação tramitam pelos interesses dos participantes do "jogo regulatório".


Este jogo, para o economista de Chicago é interpretado pelos "produtores de regulação" e pelos "demandantes de regulação" (e neste último grupo se inserem os consumidores e as corporações). Para Stigler, a tendência natural do "jogo" é que as corporações (em detrimento dos consumidores) logrem sucesso no convencimento dos produtores de regulação (congressistas, e.g.). Quanto aos consumidores, paciência... (é importante lembrar aqui que os consumidores são a melhor aproximação do que convencionamos chamar de cidadãos)


Se no Peru a diversidade ainda é motivo de celebração, no Brasil, o cenário não é tão bom assim. Quando se vê o processo negocial que promoveu a aprovação (na Câmara) do novo Código Florestal, pouca coisa anima...


A bola agora tá com o Senado. Espero que não levemos uma "bolada nas costas", como diria um grande amigo carioca...